sábado, 27 de junho de 2009

O tempo

Dê um pouco do seu tempo para o texto a seguir:
"Cadê a previsão do tempo? Não deu tempo de fazer. Me dá um tempo, então! No meu tempo não se dizia isso. Pra mim não tem tempo ruim, farei eu mesmo. Faria, se eu deixasse você usar esse tempo verbal. Em tempo, façamos nós. Se fizermos juntos, será como música cantada fora do tempo. Nem se for uma parceria temporária? Sim, e faz tempo que penso isso. Ah, dá um tempo!"
Imagine esse texto sem a palavra "tempo". Poderia ser mais ou menos assim:
"Cadê a previsão do clima? Não tive disponibilidade para fazer. Me deixe, então! Na minha época não se dizia isso. Pra mim não há problema, farei eu mesmo. Faria, se eu deixasse você usar o futuro do presente. Aliás, façamos nós. Se fizermos juntos, será como música cantada fora de compasso. Nem se for uma parceria provisória? Sim, e há anos que penso isso. Ah, me deixe!"
Segundo o dicionário Houaiss, o tempo é, entre outras 16 definições, a "duração relativa das coisas que cria no ser humano a ideia de presente, passado e futuro". Tempo é exatamente o que não tenho para escrever este texto, porém, acreditei naquela famosa frase "O tempo é a gente que faz" -- e o fiz.

Falo do tempo que passa, que "não pára" -- como cantava Cazuza -- e urge. Alguns dizem que o tempo ruge, mas é mentira, o tempo não é um leão para rugir. Pela expressão correta, o tempo "urge", do verbo urgir, conforme a sexta, das oito definições do mesmo Houaiss, urgir significa "não admitir demora ou atraso" -- e neste caso é intransitivo (...só pra relembrar a Análise Morfológica).

Não falo do tempo, clima. Nem falo do tempo da música, nem do verbal, nem da personagem dos quadrinhos, muito menos da divindade da mitologia bantu.

O tempo é tão complexo que, na Grécia Antiga, havia duas palavras para o termo:
Kairos (lê-se "Cairós"), "o momento certo", "oportuno", em teologia é o "tempo de Deus"; e Chronos, o "tempo dos homens", sequencial, o do relógio, que pode ser medido (em anos, dias, horas...). É este último a que me refiro, retratado com plasticidade e "liquidez" por Salvador Dali (imagem acima), sob influência da teoria da relatividade, de Einstein, em que a quarta dimensão é o tempo.

Complexo, mas todos o têm. Como o usam é o diferencial.
Darwin, aquele da teoria da seleção natural, disse: "O homem que tem coragem de desperdiçar uma hora do seu tempo não descobriu o valor da vida". Grande verdade esta. As 24 horas são iguais para todos. Alguns as fazem parecer 48, outros, 12 ou menos. É preciso planejar-se. É preciso valorizá-lo. É preciso usar o tempo e não perder tempo.

Usá-lo é investir nele. Fazer tudo a seu tempo. Pesar o que é temporário e o que é permanente. Tempo para pensar, tempo para agir. Para a atitude não ser temporã. Que seja em tempo. Que dê tempo. Que a consequência da sua atitude seja marcada pelo tempo Kairos, especial, o "tempo de Deus". Pois no tempo Chronos, o "dos homens", estará registrada, medida. Enfim, usar bem o tempo, é ser a frente de seu tempo, saber quando dar tempo ao tempo, e ter tempo para o que realmente vale -- é o que tenho tentado, e já faz tempo.

Por falar em Kairos e Chronos, o ápice da intersecção entre esses dois tempos, foi Jesus Cristo dividir o tempo, a História, em antes (a.C.)e depois (d.C) Dele, foi o cruzamento entre Chronos e Kairos, admitido até mesmo por historiadores céticos e ateus.

Há inevitavelmente os que desperdiçam neurônios e tempo com ideias malucas. E quem teve uma ideia maluca sobre a marcação do tempo foi David Friedman, que projetou um relógio analógico (imagem a seguir) cujos ponteiros das horas, minutos e segundos são sombras de um mesmo pino central -- o relógio de sol na versão dois-ponto-zero.
E mais malucos ainda foram os integrantes do Evil Mad Scientist Laboratories (numa tradução livre: Laboratórios dos Cientistas Malvados e Loucos) que construíram o relógio de verdade -- o passo-a-passo de como fazer o relógio e as fotos da engenhoca estão online.

Brincar com o projeto de um relógio é como brincar com o tempo em si. Tão intrigante e tão perigoso, por isso, tão instigante.

Por isso é bom aproveitá-lo da melhor maneira possível. Já disse sabiamente Millôr Fernandes: "Quem mata o tempo não é assassino, mas sim um suicida". Aproveite-o, pois você já não tem o mesmo tempo de vida que tinha ao começar a ler este texto, está alguns minutos mais velho(a). Obrigado pelo seu tempo.

Encerro com Carlos Drummond de Andrade: "O tempo é o elemento de transformação".


domingo, 21 de junho de 2009

Eu não estou aqui

Pensar e não escrever é como guardar uma lâmpada sob uma caixa, privando todos de sua luz.

Não consigo não pensar. Não consigo não escrever o que penso. Não consigo colocar a caixa sobre a lâmpada. Não expressar o que se pensa é guardar para si algo que ao ser compartilhado não se divide, se multiplica: o saber.

Ainda que saiba quase nada, tenho que escrever, que multiplicar, que iluminar -- ainda que seja como um único fósforo. Ao menos para retribuir o muito que aprendo, o muito que sou iluminado pelos que me cercam, pelos que leio.

Escrevo para construir uma pequenina obra, para seguir o conselho de Mário Quintana, cuja frase deixou recomendada para gravar em sua lápide: "Eu não estou aqui...". E não está mesmo, está em suas obras, multiplicando... e iluminando ainda.

Premito-me repetir aqui, o que escreveu Rubem Alves, sobre essa frase, num trecho de "O vírus da gripe literária":

"Epitáfio é uma frase que se grava numa lápide, contando algo sobre o enterrado. Já escolhi a minha. Não é original. É a mesma de Robert Frost: ‘Ele teve um caso de amor com a vida…’

Quintana, sabendo que a morte o esperava em alguma esquina, escolheu a sua: ‘Eu não estou aqui…’ Já imaginaram? Caminhando pelo cemitério, as lápides se sucedendo graves e fúnebres. ‘Aqui jaz…’, ‘Aqui jaz…’. De repente os olhos batem na frase ‘Eu não estou aqui’, que é o mesmo que ‘Aqui não jaz…’. É possível evitar o riso? É possível evitar amar quem assim brincou com a própria morte?"

Já deixo aqui recomendado, copiem, escrevam isso na minha lápide também.
"Eu não estou aqui..."